29.4.08

o primeiro dia

Alguém que me páre de ouvir isto, por favor. Já estou farta de saber que todos os dias podem ser o primeiro do resto da vida. Mas tudo continua a passar pelo dia que pode ser o primeiro dia em que tudo continua a passar pelo dia que pode ser o primeiro dia em que tudo continua a passar pelo dia que pode ser o primeiro dia em que tudo
frases batidas a entrar pelos ouvidos dentro e a invadir as memórias.
tudopassaemquetudopassaemquetudopassaemquetudo
e bebe-se come-se
e alentos
fraqueja-se e afunda-se no copo
e ventos feitos.

desimportância

Parece que havia um tempo em que tudo eram imagens enormes, claríssimas e por vezes grotescas. As palavras transformavam-se em invenções de cores, espaços, tempos indefinidamente vazios. Momentos em imagens, às vezes gotescas e quase sempre claríssimas. Figuras que se passeavam, objectos que se inanimavam ao lado de vozes atormentadas pelos sons de imagens que tantas vezes se esclareciam, que tantas vezes escondiam palavras grotescas. E uns mudos, que calavam os monstros. E outros surdos, que não ouviam as claras imagens palavreadas.
Mas já não. Agora como que há qualquer coisa a querer valer-se por si própria. E parece que não adianta, os surdos continuam sem ouvir, os mudos sem falar.

80s

Acontece que quando não se diz nada, também o que se escreve não serve. Talvez assim sejam as minhas prosas, que pretenciosidade, destituídas de conteúdo. De acentos graves, de brilhozinhos nos éés, de reviravoltas de palavreado em serpentina.
Esqueço-me das imagens bonitas que tenho em mim.
Abri no sábado uma arca e lá dentro estava o meu passado. A minha memória longínqua estava ali, afinal. Pedaços de mim cosidos nos remendos das bonecas, estampados no plástico dos brinquedos (já sou desse advento das cadeias longas de polímeros). Procurei o nada. Fechei a arca, e no ranger soltou-se uma nota de um pequeno piano cor de laranja com pintas coloridas nas teclas (de plástico, pois sim). E foi esse efémero ranger desafinado que me despertou uma melodia que não sabia que ainda existia em mim.
Estranho espaço obscuro por onde o inconsciente se vagueia.

28.4.08

série de




Flores complicadinhas.
Os maracujás são mesmo meninas.

27.4.08

p'ra lá do longe XXXV





Algures na esburacada estrada municipal para Malarranha. Acabamos sempre por ir lá parar, talvez os buracos sejam um só buraco negro afinal.
Só o nome, Malarranha...


p'ra lá do longe XXXIV



A maior das ursas à espreita, o tripé prometido.
Ouve-se uma Tyto alba de fugida e a noite está feita.

24.4.08

maus hábitos




É tããão bom trabalhar ao ar livre...
... que sou mesmo capaz de me habituar a isto.


(desde que esteja sol, fresquinho, se tenha umas horas livres e se esteja perto da praia... nada de mais)

18.4.08

p'ra lá do longe XXXIII

Maio despertando muros fora.

16.4.08

o homem redondo.






Era uma vez um homem-redondo. Com hífen, exactamente.





Fim.





13.4.08

asterisco





Voltar a fazer das estrelas entidades inefáveis.







inimiga tartaruga



Por desencantos desacatos desen cantos des cantos cantos canto

recantos da realidade

vê-se

lê-se

ê-se

de parte

em parte

parte

rasga estrada

foge.

Caluda.

Sempre no canto.

se

mpre

pre

concebe que o movimento existe, acolá, a-li.



9.4.08

que

É quando surge uma nuvem no horizonte longíquo que o tempo desliza até ti e te dá uma bofetada repentina. Essa nuvem é a história que irás atravessar, e só ela te faz relembrar as notas mais melancólicas, só ela faz escorrer a tinta-da-china pelo teu papel. Que traços mais se podem inventar, que tinta há ainda por gastar, que músicas há ainda por descobrir. Que afirmações há ainda por conquistar, que coragens faltam ainda desvendar, quem queres ainda ser. Que ajudas serão ainda precisas, e que becos escuros te atrairão para o seu novelo sem fim. Que chagas mais te farão verter o teu sangue.
Que menos posso sentir?
Não seremos nunca quem nos vemos no espelho.
Não vejo que mais me falte escrever.

7.4.08

entende(er)






Queria ter dias e dias para ler,
só,
para aprender que o mundo foi inventado por um poeta numa noite de melancolia.


4.4.08

p'ra lá do longe XXXII

Castelinhos alentejanos.

3.4.08

série de


florestas em miniatura, os musgos.

1.4.08

por vezes

Sinto-me com sono para sempre.

Depois entendo que era só o fundo do lodo a remexer-se.

tarde, já



Começa o dia sem sol a brilhar. Já sem ar com que se ver. Cheira a rio, e a manhã começou de tarde-não estava ninguém do outro lado. Ruas e ruas desaguam gente sem nexo. Tentei, mas nunca soube nadar. O sol sorri, tristemente. E uma nuvem cheia de pequenos tudos anuncia que leva para sempre quem lhe quiser dar um sonho.
Tudo cabe dentro da nuvem.
Tu também cabes lá.

dexlisia








Quem Ana não sorve.